Krokodil

A AMEAÇA
Atividade farmacológica
As ações farmacológicas da desomorfina foram descritas pela primeira vez em 1934 [1,2].
A atividade deste opioide semissintético está relacionada com:
Recetores opioides
A desomorfina tem afinidade para o recetor opióide µ, onde atua como agonista na forma ionizada (forma maioritária no organismo, devido às caraterísticas básicas), podendo atuar também nos rectores ƙ e δ, apesar de ter menor afinidade para estes [1,2].

Colinesterases
À semelhança de outros opioides, a desomorfina inibe a atividade das colinesterases humanas, sendo que estes alcalóides aparentam até ter maior afinidade para estas enzimas do que a própria acetilcolina. Esta inibição é em parte competitiva e em parte não competitiva, algo evidente por análise da velocidade de reação com diferentes concentrações de substrato. É, ainda, importante salientar que a inibição da colinesterase plasmática e cerebral é mais acentuada com a desomorfina do que com outros opioides, o que sugere que o seu local de ligação seja uma região preservada da proteína. No entanto, o grau de inibição varia com a origem da colinesterase, o que pode contribuir para a ação seletiva deste fármaco nos sistemas fisiológicos [1].
Estes efeitos são comuns a outros opioides (como a morfina e heroína), mas [1-3]:
- São cerca de 8 a 10 vezes mais fortes se comparados com a morfina, que se sabe já ser um poderoso analgésico usado a nível hospitalar.
- São sentidos mais rapidamente do que com outros opioides (2-3 minutos após injeção).
- Têm uma duração mais curta, extendendo-se apenas por 2 a 3 horas.
As atividades analgésica e estimulante justificam o interesse do Krokodil como droga de abuso.

- Acetilcolina

- Colinesterase
Ações no organismo [1,2]:
-
Alívio da dor;
-
Euforia;
-
Depressão respiratória;
-
Obstipação;
-
Sedação;
-
Emese (pouco notório).

Inibição das colinesterases (adaptado de 1).
A desomorfina foi inicialmente sintetizada numa busca por derivados opioides que substituíssem a morfina, devido não só à preocupação associada ao fenómeno de tolerância e dependência, mas também por forma a diminuir os efeitos secundários associados (como a depressão respiratória). No entanto, quando a desomorfina foi estudada, mostrou um aumento no efeito de tolerância e dependência, associado a um início de ação mais rápido e um tempo de semi-vida mais curto comparativamente à morfina, bem como uma ação depressora no sistema respiratório mais intensa. Quanto ao fenómeno de abstinência, a intensidade era semelhante para os dois opioides, e as únicas melhorias apresentadas são as descritas no uso do Permonid® [1,2].
As diferenças na intensidade dos efeitos provocados pelos dois compostos, bem como na sua toxicidade (3 vezes superior na desomorfina) e dependência, podem ser justificadas pela substituição do grupo hidroxilo da posição 6 do anel ciclo-hexilo por um átomo de hidrogénio e pela hidrogenação da dupla ligação 7-8 na desomorfina, que fazem da desomorfina um composto mais lipofílico, penetrando mais facilmente na barreira hematoencefálica e, por consequência, apresentando um efeito analgésico mais intenso [1,2].
Permonid®
A descoberta das propriedades analgésicas da desomorfina, de início mais rápido e duração mais curta, levaram ao desenvolvimento de um medicamento de uso pós-operatório, vendido sob a especialidade farmacêutica Permonid® entre 1940 e 1952 na Suíça. O uso da desomorfina parecia ser bem melhor que o da morfina no pós-operatório, pois reduzia a necessidade de cateterização (devido a uma menor ação no esfíncter vesical) e diminuía as tonturas e vómitos, em termos comparativos. Além disso, a dose de desomorfina necessária para o mesmo efeito era mais baixa, comparativamente com a morfina (1 mg para 10 mg) [1,2,4].
No entanto, em vários estudos realizados posteriormente, foi observada pouca diferença nos efeitos benéficos e uma maior incidência de efeitos indesejáveis na desomorfina (associados, principalmente, a um efeito demasiado rápido), comparativamente à morfina. Isto fez com que o medicamento perdesse o interesse clínico, sendo removido do mercado em 1952, mas a sua produção continuou ativa até 1998 [2].
Estudos comparativos entre efeitos da morfina (776 casos) e desomorfina (126 casos) no alívio da dor no pós-operatório [5]:
Duração do efeito analgésico: 3 horas e 7 minutos com morfina e 2 horas e 25 minutos com desomorfina.
Duração do sono induzido: 2 horas e 36 minutos com morfina e 2 horas e 7 minutos com desomorfina.
Sucesso na indução do sono: 80,5% com morfina e 91,8% com desomorfina.
Ocorrência de náuseas/vómitos: 20,5% com morfina e 20,3% com desomorfina.
Síntese
Toxicidade
Referências:
1. Alves, E. A., et al. (2015). "The harmful chemistry behind krokodil (desomorphine) synthesis and mechanisms of toxicity." Forensic Sci Int 249: 207-213.
2. Katselou, M; Papoutsis, I. et al. (2014). "A "Krokodil" emerges from the murky waters of addiction. Abuse trends of an old drug". Life Sci 102 (2): 81–87.
3. Skowronek, R., et al. (2012). ""Crocodile"--new dangerous designer drug of abuse from the East." Clin Toxicol (Phila) 50(4): 269.
4. Matiuk, D.M. (2014). "Krokodil: a monstrous drug with deadly consequences." J addict dis.
5. Toxicology Data Network. (2013). "Desomorphine." Consultado a: 24-04-2016, disponível em: https://toxnet.nlm.nih.gov/cgi-bin/sis/search/a?dbs%20hsdb%3A%40term%20%40DOCNO%208070.